No
Superior Tribunal de Justiça, os acordos, convenções e tratados internacionais
sobre o meio ambiente assinados pelo Brasil constantemente estão presentes em
decisões monocráticas ou colegiadas, servindo como princípio ou referência
normativa na condução dos julgamentos.
No
REsp 1.285.463, ao analisar pedido do Ministério Público de São Paulo para
impedir, por prejuízo ao meio ambiente, a queima da palha de cana-de-açúcar no
município de Jaú, a 2ª Turma destacou princípios firmados pela Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – a Rio 92.
Também
conhecida como Cúpula da Terra, a conferência reuniu na capital fluminense
chefes de estado para discutir temas como o equilíbrio ecológico e o
desenvolvimento sustentável. O encontro produziu documentos históricos como a
Agenda 21 e a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
No
caso analisado pelo colegiado, o Tribunal de Justiça de São Paulo havia
concluído que, ao contrário do que defendia o Ministério Público, inexistia
dado científico que comprovasse que a fuligem produzida pela queima da
cana-de-açúcar causasse danos ambientais ou tivesse implicações cancerígenas.
O
Relator do recurso do MP, Ministro Humberto Martins, lembrou que a Rio 92
consagrou o princípio da precaução – o 15º enunciado da Declaração do Rio de
Janeiro. Segundo o princípio, quando houver ameaça de danos sérios ou
irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada
como razão para adiar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a
degradação ambiental. “Na dúvida, prevalece a defesa do meio ambiente”, apontou
o ministro.
Ao
acolher o recurso do Ministério Público, o ministro também lembrou que, durante
a Rio 92, o Brasil foi signatário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas, que também estabeleceu o princípio da precaução como regra
mesmo no caso de falta de comprovações científicas.
“Portanto,
a ausência de certeza científica, longe de justificar uma ação possivelmente
degradante do meio ambiente, deveria incitar o julgador a mais prudência”,
concluiu o relator ao reformar o acórdão do tribunal paulista.
Resíduos
perigosos
Ao
analisar o Conflito de Competência 124.356, que discutia a competência para
julgamento de caso que envolvia a apreensão de pneus de procedência
estrangeira, a 3ª Seção evocou as disposições da Convenção de Basileia sobre o
Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito.
Realizada na cidade suíça em 1989, a convenção estabeleceu diretrizes para o
gerenciamento ambientalmente correto de resíduos perigosos.
Entre
outros pontos, o texto da Convenção de Basileia prevê que o tráfico ilícito de
resíduos perigosos constitui crime.
Com
base na previsão constitucional de que é de competência da Justiça Federal o
julgamento de crimes previstos em tratados internacionais ratificados pelo
Brasil (artigo 109, inciso V, da CF), a seção fixou a competência da 2ª Vara
Federal de Foz do Iguaçu - PR para analisar a ação penal.
“Ressalte-se
ainda que, mesmo que não houvesse demonstração hábil a respeito da
extraterritorialidade ou da lesão a interesses da União, cabe à Justiça Federal
processar e julgar o crime previsto no artigo 56 da Lei 9.506/98, uma vez que a
importação de pneus usados é vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, nos
termos da Resolução 23/96, do Conama, a qual encontra fundamento da Convenção
Internacional de Basileia, da qual o Brasil é signatário”, afirmou à época a Desembargadora
convocada Alderita Ramos de Oliveira.
Ambiente
de Brasília
Em
1972, a Conferência Geral da Unesco adotou a Convenção Relativa à Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. O documento, considerado um dos
principais marcos regulatórios para a proteção de bens culturais e naturais do
planeta, estabeleceu diretrizes para definição dos patrimônios da humanidade.
Em 1987, Brasília foi incluída na lista de patrimônios mundiais.
À
luz da convenção, vigente no Brasil desde 1977, a 2ª Turma julgou o REsp
840.918, que discutia a colocação de grades nos pilotis de prédios localizados
em áreas protegidas por tombamento. A análise envolveu discussões sobre a
posição de Brasília como patrimônio da humanidade e a possibilidade de
alteração do conjunto arquitetônico da capital.
“A
partir do momento em que foi declarada – por iniciativa das nossas autoridades,
não custa lembrar – como patrimônio mundial cultural, o seu destino e as
eventuais intervenções que se pretendam fazer no seu conjunto
arquitetônico-urbanístico passaram a depender também da letra e do espírito da
Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural”,
afirmou à época o Ministro Herman Benjamin.
Responsável
pelo do voto vencedor no julgamento, o ministro destacou que a definição de
patrimônio mundial, no âmbito da convenção, abrange tanto o meio ambiente
artificial como o ambiente natural. Segundo o ministro, nem sempre é fácil
separar os dois sistemas, pois, na história humana, a arquitetura, a paisagem
transformada e a natureza encontraram-se entrelaçados.
Ao
destacar a aplicabilidade judicial direta do documento internacional no Brasil,
o ministro também ressaltou que a convenção atribui aos estados-parte a
obrigação de identificar, proteger e valorizar o seu patrimônio cultural e
natural, adotando medidas jurídicas, científicas e administrativas com tal
objetivo.
“Brasília
fez a escolha de ser livre nos seus espaços arquitetônicos e paisagísticos.
Para continuar a ser o que é ou deveria ser, precisa controlar o
individualismo, a liberdade de construir onde e como se queira, e a ênfase de
seus governantes no curto prazo, que tende a sacrificar o patrimônio público
imaterial, o belo, o histórico e, por via de consequência, os interesses das
gerações futuras”, concluiu o ministro ao reconhecer a violação à Convenção
Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. Com informações
da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp
1.285.463, 840.918 e CC 124.356
Fonte: Revista Consultor Jurídico.