“O
Programa Água Doce é um exemplo para o mundo”, vai logo dizendo Emílio
Gabbrielle. “É um caso de sucesso que merece ser conhecido por todos, que
precisa ser divulgado para todo o planeta”, prossegue ele, as palavras fluindo,
velozes, num misto de italianês e portunhol.
De
passagem por Brasília, o Presidente da Associação Internacional de
Dessalinização (IDA, na sigla em inglês), italiano de nascimento e brasileiro
de coração, não escondeu o entusiasmo ao falar sobre o programa do Ministério
do Meio Ambiente - MMA que produz, de forma permanente, água de qualidade para
milhares de famílias do semiárido brasileiro por meio da dessalinização de
águas subterrâneas, salobras ou salinas, extraídas de poços profundos.
Entre
uma reunião e outra com gestores da Secretaria de Recursos Hídricos e Qualidade
Ambiental do MMA, para discutir a organização do VII Encontro Nacional de Formação
do Programa Água Doce - PAD, que ocorrerá na próxima semana, entre os dias 5 e
7 de dezembro, em João Pessoa, na Paraíba, ele fez uma avaliação do sistema
brasileiro em comparação com programas similares do resto do mundo.
“É
uma ideia simples e eficiente que mostra a criatividade do povo brasileiro.
Visitei 20 países nos últimos dois anos, como presidente da IDA, e não vi nada
parecido em nenhum lugar do mundo”, diz ele sobre o programa.
A
Associação Internacional de Dessanilização reúne as 50 nações mais criticamente
ameaçadas pela escassez de recursos hídricos no planeta, entre elas, os países
do Oriente Médio, como Israel, Arábia Saudita e Irã, onde a disputa pela água é
estratégica e pode ser motivo de guerra. No seu mais recente congresso mundial,
realizado em meados de outubro, em São Paulo, a IDA premiou o Programa Água
Doce pelo seu caráter socioambiental e inovador.
REVOLUÇÃO
Para
Gabbrielle, o programa brasileiro é revolucionário em todos os sentidos. De um
lado, muda a realidade de comunidades do semiárido que antes dependiam de
caminhões-pipas para sobreviver e cuja água nem sempre era de boa qualidade.
Por outro, inova na técnica da dessalinização.
“Fazer
a dessalinização da água salobra é um processo muito mais complicado do que a
da água do mar, e aqui no Brasil isso está sendo feito de fontes subterrâneas e
profundas, de forma muito competente. A água produzida pelo programa brasileiro
é de ótima qualidade, como já foi comprovado cientificamente. Essa técnica das
membranas (filtros de alta potência) é fantástica, elimina todas as impurezas”,
garante o presidente da IDA.
O
sistema consiste de poço tubular, bomba, reservatório de água bruta,
chafarizes, dessalinizador, reservatório de água doce, reservatório de
concentrado salino (efluente do sistema de dessalinização) e tanques de
contenção do concentrado para evaporação.
Do
poço profundo, a água é bombeada até o reservatório de água bruta, passa pelo
dessalinizador, que usa a tecnologia da osmose inversa (remoção do sal pelas
membranas), e sai purinha para o reservatório de água doce. Daí é distribuída
por chafarizes para consumo humano.
Além
do processo de dessalinização, Gabrielle vê outro aspecto inovador no PAD – o
sistema de produção integrado que criou uma alternativa para aproveitamento do
concentrado salino (a água que sobra da dessalinização). “Essa solução
encontrada para se aproveitar os rejeitos é que dá mais originalidade ainda ao
programa brasileiro”.
Pelo
sistema, o concentrado vai para tanques de contenção e é usado na produção de
peixes e na irrigação de plantas forrageiras que contribuem para a alimentação
do rebanho de caprinos e ovinos durante a estação seca, seguindo um destino
ambientalmente adequado.
COMUNIDADE
Mas
Gabbrielle abre o sorriso mesmo quando fala sobre a participação da comunidade,
que ele considera o “pulo do gato” do Programa Água Doce. “Aqui o povo é quem
cuida da operação, se envolve diretamente. Isso é o grande diferencial em
relação a outros países”, ressalta ele.
Na
verdade, dos seis componentes do programa – gestão, sistema de dessalinização,
sustentabilidade ambiental, produção integrada, formação de recursos humanos e
mobilização social -, este último é uma das principais preocupações dos
gestores.
Eles
fazem questão de incentivar a participação das comunidades nas várias etapas de
implantação do programa, desde a definição dos acordos de gestão compartilhada,
quando cada parte – União, estados, municípios e sociedade civil – assume as
suas responsabilidades até a operação dos sistemas de dessalinização e de
produção.
“Isso
é maravilhoso porque o processo torna-se autogestionário e flui com mais
eficiência. As decisões passam a espelhar de forma mais precisa os reais
interesses de cada comunidade. Ao operar o sistema, a comunidade assume o
controle direto da distribuição da água”, afirma o presidente da IDA.
De
dois anos para cá, algumas comunidades beneficiadas pelo programa passaram a
utilizar energia solar para mover os dessalinizadores. Ao reduzir gastos com
energia elétrica, o sistema ganhou em sustentabilidade. O fato deixa Gabrielle
ainda mais empolgado com o futuro do programa.
“O
uso de energias renováveis coloca o Água Doce em um novo patamar, o que terá
repercussão geral com a consequente ampliação das ações”, vislumbra o italiano,
sintonizado com a avaliação da Secretaria de Recursos Hídricos do MMA que
projeta, para 2019, o atendimento de meio milhão de pessoas pelo programa.
DIMENSÃO
O
Programa Água Doce abrange os nove estados do Nordeste – Alagoas, Bahia,
Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão – e
Minas Gerais. Atende aproximadamente 200 mil pessoas por meio de uma rede
formada por cerca de 200 instituições. Os municípios são escolhidos por
critérios técnicos e sociais, como Índice de Desenvolvimento Humano - IDH,
mortalidade infantil e escassez de água.
Ao
todo, 3.145 comunidades dos 298 municípios do semiárido que mais sofrem com o
acesso à água já passaram pelo diagnóstico dos técnicos. Da meta de 1.200
sistemas de dessalinização, 742 estão contratados, 508 concluídos e 48 em fase
de implantação em 170 municípios.
Lançado
pelo MMA em 2003, com apoio de instituições como a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, a Universidade Federal de Campina Grande - UFCG
e o Serviço Geológico do Brasil - CPRM, o programa conta com a participação dos
estados e municípios e das comunidades beneficiárias.
Em
cada estado há um núcleo estadual e uma coordenação estadual, criados por
decreto e formados por técnicos qualificados. Nas comunidades, o sistema de
dessalinização é gerenciado por grupo gestor local, estabelecido nos acordos em
que a comunidade tem participação decisiva.
A
implementação do programa é dividida em três etapas – avaliação das comunidades
(diagnóstico), implantação dos sistemas de dessalinização e, por fim, operação,
manutenção e monitoramento. O acordo de gestão só é assinado pelas partes após
a instalação e entrada em funcionamento do sistema de dessalinização.
Os
acordos ajudam a evitar ou sanar conflitos e permitem que a própria comunidade
tome as decisões relacionadas à gestão do sistema de dessalinização, o que
assegura o bom funcionamento do programa e a qualidade da água que será distribuída
à população.
Além
de estar conectado com os princípios da Política Nacional de Recursos Hídricos,
o Programa Água Doce reforça a Política Nacional de Mudanças Climáticas, ao
contribuir para a diminuição da vulnerabilidade de acesso a água no semiárido
brasileiro.
Fonte: MMA.