Estudo publicado na revista
Nature Communications, de março de 2024, aponta que a redução da perda de
manguezais no Brasil pode contribuir de modo significativo para a mitigação das
mudanças climáticas. Os mangues da Amazônia possuem estoques de carbono totais
da ordem de 468,3 toneladas por hectare, capacidade aproximada de três a vinte
vezes maior do que a dos biomas terrestres brasileiros como o cerrado, o
pantanal, a caatinga, florestas tropicais e campos sulinos.
Logo, incluir os manguezais
em metas de mitigação de desmatamento oferece enormes benefícios no abatimento
de emissões de gases estufa, conforme sugerem os pesquisadores que assinam o
artigo. Eles defendem que a Amazônia Legal brasileira possui vastos manguezais,
mas a falta de consciência e de dados sobre seu valor impediu a sua inclusão
nos pagamentos previstos no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas, conhecida pela sigla UNFCCC, em língua inglesa.
Os pesquisadores propõem a
inclusão dos manguezais brasileiros nas Contribuições Nacionalmente
Determinadas, conhecidas pela sigla iNDC, e sua utilização posterior no sistema
voluntário de crédito de carbono para financiar a preservação de florestas, por
meio da iniciativa REDD+. Segundo o conceito adotado pela Convenção de Clima da
ONU em 2013, REDD+ se refere a um mecanismo que permite um incentivo financeiro
concedido a países em desenvolvimento que mantêm suas florestas em pé, sem
desmatar, e com isso, evitam as emissões de gases de efeito estufa associadas
ao desmatamento e degradação florestal.
O estudo publicado tem como
primeiro autor o bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ângelo Fraga Bernardino,
professor do Departamento de Oceanografia e Ecologia da Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES), que assina o artigo com mais oito pesquisadores.
A UNFCCC é um tratado
ambiental internacional, em vigor desde março de 1994, que tem adesão quase
universal de países e o objetivo de estabilizar as concentrações de gases de
efeito estufa resultantes de ações humanas na atmosfera. A intenção é impedir
que esses gases interfiram de forma prejudicial e permanente no sistema
climático do planeta.
As iNDCs, por sua vez,
referem-se a documento do governo brasileiro que registra os principais
compromissos e contribuições do país para o atingimento das metas de mitigação,
as ações de adaptação e os meios de implementação que o Brasil pretende adotar
no âmbito do Acordo de Paris, compromisso internacional que tem o objetivo de
minimizar as consequências do aquecimento global.
O Brasil possui o segundo
maior repositório de manguezais do mundo, mas a estratégia nacional do REDD+ no
país não inclui a mitigação do desmatamento de manguezais no contexto de
pagamentos baseados em resultados visando à redução de emissões no âmbito
UNFCC. Para entender melhor o impacto potencial desses ecossistemas costeiros,
os pesquisadores analisaram 900 amostras de solo e medições de árvores de mais
de 190 parcelas florestais, para determinar os níveis de emissão dos manguezais
em áreas intocadas e desmatadas na costa da Amazônia.
As áreas estudadas
incluíram manguezais nos estados do Pará e Amapá, abrangendo regiões próximas à
foz do Rio Amazonas, onde, em período recente, foram descobertos manguezais sob
influência da pluma do Rio Amazonas, área de água doce que se estende para o
oceano a partir da foz desse rio. Essa água doce se mistura com a água salgada
do oceano, criando uma zona de transição conhecida como pluma, que influencia
as condições ambientais e a vida marinha ao redor da região da foz do rio.
Os pesquisadores
conseguiram demonstrar, pela primeira vez, que as emissões de gases estufa com a perda de manguezais na Amazônia
chega a ser três vezes maior que as emissões de área equivalente na Floresta
Amazônica e que deter o desmatamento de manguezais na Amazônia Legal evitaria
emissões de dióxido de carbono (CO²) na ordem de 1228 toneladas por hectare.
Essas são as mais altas emissões por degradação de florestas de biomas
brasileiros, florestais e não florestais. Essas emissões também equivalem ao acúmulo
anual de carbono em 82,400 hectares de florestas secundárias. Os dados
demonstram que evitar a conversão de manguezais em pastagens é equivalente a
revegetar uma área quase 110 vezes maior do que a área degradada de mangues na
costa Amazônica, em termos de balanço de emissões e sequestro de gases estufa.
A diminuição do
desmatamento é uma prioridade do governo brasileiro para alcançar as iNDC do
Brasil, que estabeleceu uma meta de redução de 100% das emissões do
desmatamento atual sob as emissões de Uso da Terra, Mudança de Uso da Terra e
Florestas até o ano de 2030. Proteger esses reservatórios de carbono azul, que
incluem o carbono em biomas como os manguezais, marismas e gramas marinhas é,
portanto, fundamental para auxiliar o país a cumprir a meta, como também para
alcançar benefícios econômicos adicionais.
O potencial desmatamento
evitado poderia ser incorporado a créditos de carbono voluntários para
financiar a conservação florestal, por meio da iniciativa REDD+. Segundo o
artigo, dado o crescente interesse global nos mercados voluntários de carbono,
o financiamento por meio de programas REDD+ poderia levantar bilhões de
dólares, além de ajudar a reduzir as taxas anuais de desmatamento no bioma
amazônico.
Até o momento, o Brasil
possui uma das maiores emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), em sua
maioria oriundos do desmatamento e da degradação de florestas e conversão de
florestas em terras agrícolas e pastagens de gado. “As atuais metas de redução
de emissões do governo brasileiro não enfatizam os benefícios climáticos dos
manguezais na Amazônia”, afirma o professor Ângelo Bernardino. “Interromper o
desmatamento de manguezais no bioma da Amazônia brasileira evitaria emissões
equivalentes àquelas emitidas por mais de 200 mil carros movidos a gasolina
todos os anos. Temos uma oportunidade única de abordar essa lacuna para
aprimorar os esforços de conservação do Brasil no bioma Amazônia”, diz o
pesquisador.
O desmatamento de
manguezais é uma preocupação global, uma vez que a conversão dessas áreas em
pastagens, viveiros de camarão ou uso para aquicultura elimina de forma
permanente grandes estoques de carbono dessas florestas. Como resultado, o
desmatamento dos manguezais contribui de forma significativa para as emissões
de gases de efeito estufa. As avaliações limitadas de conjunto de dados
regionais de campo, porém, diminuem a qualidade das tentativas de modelar os
estoques globais de carbono dos manguezais, levando por vezes a grandes
imprecisões dos estoques totais de carbono do ecossistema in situ . As mesmas limitações existem na
disponibilidade regional de fatores de emissão da conversão de manguezais.
Estimativas regionais do
Nordeste do Brasil, Caribe e Indonésia, por exemplo, indicam que entre 58% e
90% dos estoques de carbono ecossistêmicos totais são perdidos quando as
florestas de mangue são convertidas em aquicultura de camarão ou pastagens de
gado. Os pesquisadores afirmam que, como esses fatores de emissão são usados
para modelar as emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera, avaliações
precisas de parcelas baseadas em campo são críticas para apoiar programas
regionais de mitigação.
A pesquisa que levou à
publicação do artigo é parte da Expedição Perpetual Planet Amazônia, da
National Geographic e da Rolex. O estudo se desenvolveu a partir de projeto
anterior do professor Ângelo Bernardino, que identificou uma floresta úmida
singular existente no delta do Rio Amazonas,
onde extensos manguezais ocorrem em ambientes de maré de água doce.
Também assinam o artigo o bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e
professor do Departamento de Ciência do Solo da Universidade de São Paulo
(ESALQ/USP), Tiago Osório Ferreira ; o professor do Departamento de Ciências do
Solo da Universidade Federal do Ceará, Gabriel Nuto Nóbrega ; a professora da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pesquisadora no Programa de
Pesquisas Ecológicas de Longa-duração (PELD) Habitats Costeiros do Espírito
Santo, Ana Carolina de Azevedo Mazzuco ; a pesquisadora do Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Fernanda Souza ; o
pesquisador da Universidade de São Paulo/ESALQ, Rodolfo Costa ; além da
ecologista e professora da Universidade de Bern, Margaret Owuor; do professor
da Universidade australiana Southern Cross, Christian Sanders; e do professor
da Universidade norte-americana de Oregon, J. Boone Kauffman.
Fonte: Ministério do Meio Ambiente