A seca deste ano esvaziou o
Córrego Boa Vista ao ponto de o fazendeiro Marcos Jacob da Costa, de 57 anos,
não ter mais como bombear água para sua propriedade. Mas uma das medidas de
compensação para os estragos trazidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em
Mariana, pode mudar esse futuro, já que a fazenda dele, no município de
Galileia, a cerca de 50 quilômetros de Governador Valadares, no Vale do Rio
Doce, foi selecionada pela Fundação Renova para receber o cercamento e a
preservação de 11 nascentes do Córrego Boa Vista. “Minha esperança é que, com
esse cercamento e com o plantio de árvores nas nascentes, o Boa Vista possa
voltar a correr aqui na seca como fez a vida toda”, disse.
A lama e os rejeitos de
mineração despejados no Rio Doce pela Samarco passaram a 30 quilômetros da
fazenda do senhor Marcos Jacob, mas há terrenos a até 100 quilômetros de
distância do rio devastado recebendo os mesmos trabalhos de preservação de
nascentes, como ocorre no município de Itambacuri. “Esse é um trabalho que visa
ajudar a devolver água em quantidade e qualidade melhores para os afluentes que
compõem o Rio Doce”, disse Almir Jacomelli, líder de operações agroflorestais
da Fundação Renova.
O programa de cercamento,
reflorestamento e manutenção de nascentes da fundação visa atender a 5 mil
surgências em 10 anos. Desde sua implementação, em 2016, já foram beneficiadas
1.050 nascentes em 12 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. “Pode parecer
pouco ante a grandeza do Rio Doce e de suas 350 mil nascentes, mas a ideia é
também mudar essa cultura local, muito ligada ao extrativismo, para uma de mais
preservação e sustentabilidade”, disse o analista de programas socioambientais
da Fundação Renova, Felipe Drummond. O programa de nascentes atuará em 420
propriedades. Já foram gastos R$ 15 milhões de um total estimado de R$ 300
milhões. Cada propriedade terá uma média de investimentos de R$ 40 mil a R$ 60
mil.
As microbacias beneficiadas
são determinadas pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Doce (CBH-Doce), que
seleciona estrategicamente aquelas mais degradadas ou de maior contribuição
para o rio. “Vamos até os produtores dessas regiões procurar saber quem se
interessa. Damos incentivo para cercar a nascente e plantamos mudas nativas.
Com isso, o gado para de pisotear a nascente, reduzimos a erosão e o ingresso
de sedimentos para lá, aumentando a retenção de água na área de recarga que
abastece o olho d’água”, disse Jacomelli. Até o momento, foram utilizadas 140
mil mudas, sendo que a previsão é de que se chegue a 1 milhão.
O rompimento da Barragem do
Fundão, em Mariana, despejou cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos
de minério de ferro, matando 19 pessoas, atingindo aproximadamente 500 mil
pessoas e devastando a bacia hidrográfica do Rio Doce, até o litoral
brasileiro, nessa que é considerada a pior tragédia socioambiental brasileira e
uma das piores do mundo.
Esperança para a produção
O Córrego Boa Vista fluía o
ano inteiro e de suas águas o fazendeiro Marcos Jacob Costa abastecia seu
terreno, uma propriedade rural que recebeu de herança dos seus pais, em 1986. O
líquido é precioso para matar a sede das cerca de 300 cabeças de gado de corte
e leiteiro nos terrenos erodidos e secos que são comuns na região de Governador
Valadares, um reflexo de anos de derrubada da Mata Atlântica, plantio de capim
e pisoteamento pelo gado.
“Fui subindo o córrego e
descobri que muita gente, inclusive uma mineradora, não pararam de puxar a água
nem com essa seca”, conta o fazendeiro, que foi obrigado a construir barragens
com sacos de areia no leito seco e arenoso para manter empoçamentos durante a
estiagem. Mas nem essa solução garantiu o abastecimento da propriedade. “A
minha esperança é mesmo cuidar das nascentes que estão bem aqui na minha
propriedade. Isso daqui é tudo que tenho para sustentar a minha família”,
disse. O produtor ainda foi atingido diretamente pela tragédia. “Moro em
Valadares e até hoje só bebo água mineral. Na água das torneiras ninguém mais
confia depois que desceu aquela lama contaminada”, afirma.
Fonte: Estado de Minas.